sexta-feira, 12 de junho de 2009

A felicidade

Li uma reportagem sobre uma bibliografia de Amália...da tristeza desesperante em que muitas vezes se afundava...diz-se que ela vivia cada rasgo de felicidade, embora a sua extrema lucidez a impedisse de ser verdadeiramente feliz, porque, concluía a sua melhor amiga, a lucidez torna a felicidade impossível, e ela, Amália, era uma pessoa extremamente lúcida.

Lembro, quando frequentava a escola secundária, de ter participado numa entrevista memorável, em casa dela, na Rua de S. Bento e de, a dada altura, ela ter referido - "não há nada mais triste do que eu", lembro também de ela abordar a sua extrema sensíbilidade e o forte cariz intuitivo ...a antecipar os acontecimentos.

Entretanto, um amigo meu costuma dizer que "para se ser feliz basta querer-se sê-lo!"

E isto traz-me à memória as minhas aulas de psicologia com o Professor António Estanqueiro, o único professor que conseguia mobilizar para as suas aulas os alunos mais faltosos. Deu-nos uma lição memorável sobre a força da vontade, o poder que esta encerra associada à crença (no sentido de acreditar em algo, um resultado por ex.)

E daqui recordo Alberto Caeiro, de onde retirei uma das minhas máximas:
"Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa"

E, curiosa, quis saber como pensavam a felicidade os mais sábios e entendidos, leia-se:


- O Caminho da Felicidade
Um sábio perguntava a um louco qual era o caminho da felicidade. O louco respondeu-lhe imediatamente, como alguém a quem se pergunta o caminho da cidade vizinha: «Admira-te a ti mesmo e vive na rua». «Alto lá», exclamou o sábio, «pedes demais, basta já que nos admiremos!» E o louco respondeu logo: «Mas como admirar sem cessar se não nos desprezarmos constantemente?»
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"


- Felicidade com Poucos Bens
Embora a experiência me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifício do que entre os sedentários dos oásis férteis ou das ilhas ditas afortunadas, nem por isso cometi a asneira de concluir que a qualidade do alimento se opusesse à natureza da felicidade. Acontece simplesmente que, onde os bens são em maior número, oferecem-se aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto à natureza das suas alegrias: elas, efectivamente, parecem provir das coisas, quando eles as recebem do sentido que essas coisas assumem em tal império ou em tal morada ou em tal propriedade. Para já, pode acontecer que eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam circular mais vezes riquezas vãs. Como os homens do deserto ou do mosteiro não possuem nada, sabem muito bem donde lhes vêm as alegrias e é-lhes assim mais fácil salvarem a própria fonte do seu fervor.
Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"


- Não Existe Felicidade Desregrada
Uma época em que tudo é permitido sempre tornou infelizes aqueles que nela viveram. Disciplina, abstinência, cortesia, música, moral, poesia, forma, proibição, tudo isso tem como sentido último conferir à vida uma forma bem delimitada e determinada. Não existe felicidade desregrada. Não existe grande felicidade sem grandes tabus. Até no mundo dos negócios não podemos correr atrás de qualquer vantagem, porque nos arriscamos a não chegar a lugar nenhum. O limite é o segredo dos fenómenos, o mistério da força, da felicidade, da fé e da nossa missão, que é a de nos afirmarmos como ínfimos seres humanos num universo.
Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'


- A Quimera da Felicidade
(...) do alto de uma montanha, inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma cousa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das cousas. Tal era o espectáculo, acerbo e curioso espectáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que não lhe podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, - flagelos e delícias, - desde essa cousa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das cousas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, - nada menos que a quimera da felicidade, - ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.
Machado de Assis, in 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'


- A Frivolidade dos Nossos Anseios de Felicidade
Quando reflectimos sobre a brevidade e a incerteza da vida, quão desprezíveis parecem todos os nossos anseios de felicidade? E, mesmo que estendêssemos a nossa atenção para além da nossa própria vida, quão frívolos parecem os nossos projectos mais vastos e generosos quando consideramos as mudanças e revoluções incessantes nos assuntos humanos, por meio das quais as leis e a cultura, os livros e os governos são postos de lado apressadamente pelo tempo, como por uma correnteza ligeira, e se perdem no imenso oceano da matéria? Tal reflexão seguramente tende a mortificar todas as nossas paixões. Não ajuda ela, porém, a desse modo contrabalançar o artifício da natureza que felizmente nos leva ao engano de acreditar que a vida humana tem alguma importância? E não poderia tal reflexão ser empregada com sucesso por pensadores voluptuosos, com o intuito de nos afastar dos caminhos da acção e da virtude rumo aos campos floridos da indolência e do prazer?
David Hume, in 'Ensaios: O Céptico'


- Diferentes Caminhos para uma Felicidade Sempre Insuficiente
O objectivo para o qual o princípio do prazer nos impele — o de nos tornarmos felizes — não é atingível; contudo, não podemos — ou melhor, não temos o direito — de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isso; alguns dedicam-se ao aspecto positivo do objectivo, o atingir do prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos. Naquele sentido modificado em que vimos que era atingível, a felicidade é um problema de gestão da libido em cada indivíduo. Não há uma receita soberana nesta matéria que sirva para todos; cada um deve descobrir por si qual o método através do qual poderá alcançar a felicidade. Toda a espécie de factores irá influenciar a sua escolha. Depende da quantidade de satisfação real que ele irá encontrar no mundo externo, e até onde acha necessário tornar-se independente dele. Por fim, na confiança que tem em si próprio do seu poder de modificar conforme os seus desejos. Mesmo nesta fase, a constituição mental do indivíduo tem um papel decisivo, para além de quaisquer considerações externas. O homem que é predominantemente erótico irá escolher em primeiro lugar relações emocionais com os outros; o tipo narcisista, que é mais auto-suficiente, procurará a sua satisfação essencial no trabalho interior da sua alma; o homem de acção nunca abandonará o mundo externo no qual pode experimentar o seu poder.
Sigmund Freud, in 'A Civilização e os Seus Descontentamentos'


- Ninguém é Feliz quando Treme pela sua Felicidade
Ninguém é feliz quando treme pela sua felicidade. Não se apoia em bases sólidas quem tira a sua satisfação de bens exteriores, pois acabará por perder o bem-estar que obteve. Pelo contrário, um bem que nasce dentro de nós é permanente e constante, e vai sempre crescendo até ao nosso último momento; todos os demais bens ante os quais se extasia o vulgo são bens efémeros. "E então? Quer isso dizer que são inúteis e não podem dar satisfação?" É evidente que não, mas apenas se tais bens estiverem na nossa dependência, e não nós na dependência deles. Tudo quanto cai sob a alçada da fortuna pode ser proveitoso e agradável na condição de o seu beneficiário ser senhor de si próprio em vez de ser servo das suas propriedades. É um erro pensar-se, Lucílio, que a fortuna nos concede o que quer que seja de bom ou de mau; ela apenas dá a matéria com que se faz o bom e o mau, dá-nos o material de coisas que, nas nossas mãos, se transformam em boas ou más.
O nosso espírito é mais poderoso do que toda a espécie de fortuna, ele é quem conduz a nossa vida no bom ou no mau sentido, é nele que está a causa de nós sermos felizes ou desgraçados. Um homem mau faz tudo redundar em mal, mesmo quando aparentemente as coisas se apresentavam excelentes; um espírito justo e íntegro sabe corrigir os erros da fortuna, sabe, pela sua mesma sabedoria, temperar as ocorrências adversas e difíceis de suportar; um tal espírito é capaz de acolher a felicidade com gratidão e temperança, de enfrentar a adversidade com firmeza e coragem. Imaginemos um homem experiente, que não faz nada sem ter analisado totalmente a questão, que nunca tenta nada que esteja acima das suas forças: tal homem nunca alcançará aquele supremo e completo bem acima de todas as contingências se não se sentir seguro em face da insegurança. Se observares os outros (já que costumamos ser melhores juízes em causa alheia), ou se te analisares a ti próprio sem parcialidade, serás forçado a admitir que aqueles bens que tens por desejáveis e preciosos te serão inúteis se previamente não te preparares para a falibilidade do acaso e do condicionalismo que o acompanha.
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'


- A Felicidade Encontra-se Fora de Nós
Estamos cheios de coisas que nos lançam para fora. O nosso instinto faz-nos sentir que é preciso procurar a nossa felicidade fora de nós. As nossas paixões levam-nos para fora, mesmo quando os objectos se não oferecessem para as excitar. Os objectos de fora tentam-nos por si próprios e chamam-nos, ainda quando não pensamos neles. E assim, mesmo que os filósofos digam: «Reco-lhei-vos em vós mesmos, aí encontrareis o vosso bem», não se acredita neles; e aqueles que acreditam são os mais vazios e mais tolos.
Blaise Pascal, in "Pensamentos"


- Antes Sábio Infeliz que Tolo Feliz
Poucas criaturas humanas consentiriam ser transformadas em qualquer dos animais inferiores em troca da promessa do mais pleno acesso aos seus prazeres bestiais; nenhum ser humano inteligente consentiria tornar-se um tolo, nenhuma pessoa instruída, um ignorante, ninguém de sensibilidade e consciência, um ser egoísta e reles, e isso mesmo que eles fossem persuadidos de que o tolo, o beócio ou o infame estavam mais satisfeitos com a sua sorte do que eles estão com a deles. (...) É melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito; melhor ser um Sócrates insatisfeito que um tolo satisfeito; e, se o tolo ou o porco tem uma opinião distinta, é porque eles só conhecem o seu próprio lado da questão.
John Stuart Mill, in 'Utilitarismo'
- A Felicidade é tão Cansativa como a Infelicidade
Toda a gente tem o seu método de interpretar a seu favor o balanço das suas impressões, para que daí resulte de algum modo aquele mínimo de prazer necessário às suas existências quotidianas, o suficiente em tempos de normalidade. O prazer da vida de cada um pode ser também constituído por desprazer, essas diferenças de ordem material não têm importância; sabemos que existem tantos melancólicos felizes como marchas fúnebres, que pairam tão suavemente no elemento que lhes é próprio como uma dança no seu. Talvez também se possa afirmar, ao contrário, que muitas pessoas alegres de modo nenhum são mais felizes do que as tristes, porque a felicidade é tão cansativa como a infelicidade; mais ou menos como voar, segundo o princípio do mais leve ou mais pesado do que o ar. Mas haveria ainda uma outra objecção: não terá razão aquela velha sabedoria dos ricos segundo a qual os pobres não têm nada a invejar-lhes, já que é pura fantasia a ideia de que o seu dinheiro os torna mais felizes? Isso só lhes imporia a obrigação de encontrar um sistema de vida diferente do seu, cujo orçamento, em termos de prazer, fecharia apenas com um mínimo excedente de felicidade, que eles, assim como assim, já têm.
Teoricamente, isto significa que uma família sem abrigo, se não morrer congelada durante uma noite gélida de Inverno, aos primeiros raios de sol da manhã se sentirá tão feliz como o homem rico que tem de sair da sua cama quente. Na prática, o que importa é que cada um carrega pacientemente, como um burro, a carga que lhe foi posta no lombo; e um burro que se sente um pouco mais forte do que a sua carga é um burro feliz. E de facto esta é a mais fiável definição de felicidade pessoal a que se pode chegar enquanto olharmos apenas para o caso do burro. Na verdade, porém, a felicidade pessoal (ou o equilíbrio, a satisfação ou qualquer outro nome que se dê ao objectivo automático e mais íntimo de uma pessoa) é tanto uma realidade fechada quanto uma pedra num muro ou uma gota de água num rio atravessado pelas forças e tensões do todo. Aquilo que uma pessoa faz e sente é insignificante quando comparado com tudo o que tem de pressupor que outros fazem e sentem normalmente por ela. Ninguém vive apenas o seu próprio equilíbrio, toda a gente se apoia no equilíbrio dos estratos à sua volta; deste modo, na pequena fábrica de prazer de cada pessoa intervém um sistema de crédito moral altamente complexo, (...) porque ele participa tanto do balanço espiritual da totalidade como do indivíduo.
Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'
- A Razão é Contrária à Felicidade
Quanto mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento; e daí provém que em muitas pessoas, e nomeadamente nas mais experimentadas no uso da razão, se elas quiserem ter a sinceridade de o confessar, surja um certo grau de misologia, quer dizer de ódio à razão. E isto porque, uma vez feito o balanço de todas as vantagens que elas tiram, não digo já da invenção de todas as artes do luxo vulgar, mas ainda das ciências (que a elas lhes parecem no fim e ao cabo serem também um luxo do entendimento), descobrem contudo que mais se sobrecarregaram de fadigas do que ganharam em felicidade, e que por isso finalmente invejam mais do que desprezam os homens de condição inferior que estão mais próximos do puro instinto natural e não permitem à razão grande influência sobre o que fazem ou deixam de fazer. E até aqui temos de confessar que o juízo daqueles que diminuem e mesmo reduzem a menos de zero os louvores pomposos das vantagens que a razão nos teria trazido no tocante à felicidade e ao contentamento da vida, não é de forma alguma mal-humorado ou ingrato para com a vontade do governo do mundo, mas que na base de juízos desta ordem está oculta a ideia de uma outra e mais digna intenção da existência, à qual, e não à felicidade, a razão muito especialmente se destina, e à qual por isso, como condição suprema, se deve subordinar em grandíssima parte a intenção privada do homem.
Portanto, se a razão não é apta bastante para guiar com segurança a vontade no que respeita aos seus objectos e à satisfação de todas as nossas necessidades (que ela mesma - a razão em parte multiplica), visto que um instinto natural inato levaria com muito maior certeza a este fim, e se, no entanto, a razão nos foi dada como faculdade prática, isto é, como faculdade que deve exercer influência sobre a vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma vontade, não só boa quiçá como meio para outra intenção, mas uma vontade boa em si mesma, para o que a razão era absolutamente necessária, uma vez que a natureza de resto agiu em tudo com acerto na repartição das suas faculdades e talentos. Esta vontade não será na verdade o único bem nem o bem total, mas terá de ser contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda a aspiração de felicidade. E neste caso é fácil de conciliar com a sabedoria da natureza o facto de observarmos que a cultura da razão, que é necessária para a primeira e incondicional intenção, de muitas maneiras restringe, pelo menos nesta vida, a consecução da segunda, que é sempre condicionada, quer dizer, da felicidade, e pode mesmo reduzi-la a menos de nada, sem que com isto a natureza falte à sua finalidade, porque a razão, que reconhece o seu supremo destino prático na fundação duma boa vontade, ao alcançar esta intenção é capaz duma só satisfação conforme à sua própria índole, isto é a que pode achar ao atingir um fim que só ela (a razão) determina, ainda que isto possa estar ligado a muito dano causado aos fins da inclinação. Emmanuel Kant, in ' Fundamentação da Metafísica dos Costumes'
- Escolher a Felicidade
Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer; como de um modo geral no viver, em que a única companhia possível é a daquele Deus a um tempo imanente e transcendente e a dos que neles estão, a de seus santos. Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podemos transformar em positiva. Para o fazermos, se exige pouco, mas um pouco que é na realidade extremamente difícil e que não atingiremos nunca por nossas próprias forças: exige-se de nós, primacialmente, a humildade; a gratidão pelo que vem, como a de um ginasta pelo seu aparelho de exercício; a firmeza e a serenidade do capitão de navio em sua ponte, sabendo que o ata ao leme não a vontade de um rei, como nos Descobrimentos, mas a vontade de um rei de reis, revelada num servidor de servidores; finalmente, o entregar-se como uma criança a quem sabe o caminho. De qualquer forma, no fundo de tudo, o que há é um acto de decisão individual, um acto de escolha; posso ser, se tal me agradar, infeliz e inquieto.
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'
e amanhã continua....